Notícia da Agência Lusa (05/09/2015)
Documentário português retrata 'A Última Religião'
no Brasil
(Na foto: Hugo Pinto / © Luísa Sequeira)
Um jornalista português retratou em
documentário as origens, o culto e a minoria seguidora da "Última
Religião" - a da Humanidade -, com marca em símbolos nacionais do Brasil
onde figura, aliás, um último reduto.
Documentário de estreia do jornalista português
Hugo Pinto, de 35 anos, radicado em Macau, versa sobre Religião da Humanidade,
sem Deus e dos Homens, concebida pelo filósofo francês Auguste Comte, no século
XIX, que tem o único "templo" de portas abertas na cidade brasileira
de Porto Alegre.
"O tema congrega quase todas as minhas
áreas de interesse: a filosofia, a religião, a ciência e a História. Depois,
sempre me fascinou o interesse que Auguste Comte tinha em criar uma ciência da
organização da sociedade e a forma como pensou todos os seus elementos
estruturantes", explicou Hugo Pinto.
O documentário foi filmado no Brasil, onde
esteve aproximadamente um mês para conhecer a influência de uma religião, em
cujos princípios Hugo Pinto vê atualidade: "Há ideias que fazem sentido,
que se mantêm muito oportunas, como o altruísmo, um termo que o próprio
cunhou".
A doutrina positivista de Comte influenciou
inclusive a própria História do Brasil, onde tem hoje o último bastião.
"Estiveram na Proclamação da República e até desenharam a bandeira
nacional, no entanto, poucos conhecem a importância histórica dos positivistas",
ignorando, por exemplo, que "a 'Ordem e Progresso' é um lema do
positivismo".
"A doutrina, em voga na ala militar, cujo
movimento levou à proclamação da República, teve em Miguel Lemos e em Raimundo
Teixeira Mendes, dois intelectuais que foram estudar para Paris, então centro
do mundo, os grandes promotores das ideias positivistas", importadas,
portanto, pelas elites para um Brasil carente de reformas e ávido de mudança.
"Quando regressaram, primeiro criaram o
apostolado positivista, mais tarde, a igreja positivista do Brasil, e esse foi
o grande centro difusor. Imprimiram centenas de panfletos, explicando as ideias
e abordando diversos temas, como a importância da laicidade, do respeito pelas
populações indígenas, (...), das leis trabalhistas. Todas estas são conquistas
que reclamam como grandes legados deixados pelos positivistas", observa.
Um dos aspetos que o surpreendeu foi o facto
de ideais como a laicidade terem penetrado num país maioritariamente católico
que tem, aliás, o Cristo Redentor como um dos principais símbolos. "Foi
outro dos motivos pelos quais esta história me fascinou, porque é, de facto, um
terreno imensamente fértil para as religiões, até para a da Humanidade".
Comte "acreditava que o mundo só poderia
ser explicado pela ciência e que a Fé seria substituída pela Razão",
rejeitava um Deus sobrenatural, mas reconhecia na religião "um papel
importante de união em torno de uma ideia comum e uma ordem moral contra a
anarquia do egoísmo".
Contudo, ressalva Hugo Pinto, o filósofo francês
imaginou que pelo mundo fora seriam erigidos Templos da Humanidade, mas isso só
aconteceu no Brasil e em duas cidades: Rio de Janeiro e Porto Alegre. Hoje,
apenas os pilares de um se encontram de pé, frequentado por poucas dezenas de
"fiéis".
"A Última Religião" dá a conhecer
"as ideias e as pessoas que, hoje, ainda defendem e acreditam num mundo
mais dominado pelo conhecimento e pelo altruísmo como formas de combater dois
dos maiores problemas à escala global: o fundamentalismo religioso e os horizontes
fechados do capitalismo", disse.
Hugo Pinto prepara-se agora para lançar a
produção independente, que contou com a realizadora portuguesa Luísa Sequeira,
no circuito dos festivais, sem esconder a natural preferência por salas do
Brasil, Europa e Ásia.
Questionado se acabou por se render à
doutrina, o jornalista responde: "Comte diz que todos somos positivistas,
mas em graus diferentes".